segunda-feira, setembro 22, 2003

O dia europeu sem carros

O dia europeu sem carros
O dia europeu sem carros é sempre um tema candente para aqueles que gostam de ter opiniões pertinentes. Como defendo a velha máxima que nos diz que: "opinions are like arse holes: everyone has got one and everyone thinks his smells better than the others" decidi-me a facilitar a vida de todos aqueles leitores que no lufa-lufa (bela expressão) do dia-a-dia têm pouco tempo para pensar, ler ou reflectir sobre temas como este. Mais vital do que reflectir ou do que pensar é, hoje em dia, "ter uma opinião". Quem não opina arrisca-se a ser posto de lado pela sociedade onde se insere. Assim, e porque sei que muitos dos nossos leitores só se interessam por temas de fundo (a existência de deus; o eterno dilema entre metafísica e matéria; a arte como manifestação do inútil; o esplendor do caos; o papel simbólico da dúvida hamletiana na construção da natureza humana pós-Nietsche) resolvi-me por ajudar em temas "fait-divers" que não interessem ao menino jesus (ergo, apenas interessam a esse grande menino jesus de todos nós que é o Dr. Pacheco Pereira).
O sistema que proponho não pode ser mais fácil de seguir. Dado um tema (que hoje é: "Que puta de opinião quero eu ter, em meu benefício, acerca do dia europeu sem carros" -na estrutura desta frase ir-se-á substituindo "dia europeu sem carros" por novos temas candentes mas sempre "fait divers"), e feita uma sucinta descrição do enquadramento social para o qual se pretende a opinião, eu redigirei uma pequena opinião útil para qualquer situação quejanda. Vejam o exemplo:
-"Que puta de opinião quero eu ter, em meu benefício, acerca do dia europeu sem carros"; Chamo-me Eduardo, tenho 32 anos, e acho que as mulheres gostam de gajos blasé, tipo Miguel Sousa Tavares, que fazem todo o terreno, defendem a caça e outras práticas saudavelmente incorrectas e potencialmente identificáveis como "genuínas", não quero ser visto como um gajo de direita, simpatizo moderadamente com a esquerda social (em teoria) mas fundamentalmente quero ser visto como um gajo independente e com uma certa negligência arrogante nas minhas opiniões (ora, que se foda, quero é que as gajas tenham um orgasmo quando eu opinar!).
Resposta: Caro Eduardo, é este tipo de descrição sociológica que procuramos. Detalhada, sofisticada, altamente paneleira. A opinião que te aconselho é: "o dia europeu sem carros é uma perfeita hipocrisia" (dito com um esgar cortante no lábio superior) diz também, a quem te quiser ouvir, ò grande rabeta filho da puta, que "até que o planeamento das cidades seja feito a pensar na exclusão automóvel", "este tipo de manifestações não passam de folclore".
Como vêm é fácil e poupa o trabalho de se ter opinião. As opiniões, são, e isto é doutrina oficial d´a Cagada, perfeitamente inúteis. E não há nada como não perder tempo em tê-las. Para mais, quando estas já se podem obter baratas e em tempo real. Aconselho vivamente a adopção do estilo "a cada dia a sua opinião" que dá sempre um ar de niilista-anarco-desconstructivo que as gajas admiram.
Já recebi correspondência de um Pedro "que quer ter uma opinião pró-ambientalista moderada tipo gajo que conhece o canadá"; de uma Joana "que quer conquistar o seu namorado Jorge com uma tenaz opinião pró-Manuel Graça Dias de invasão das cidades por carros no sentido de as fazer mais vivas, e sacar-lhe um pedido de casamento assim" (sic.); de um Tiago que "não sabe bem o que quer, mas que uma opinião meias-tintas, com prós e contras, que contemple o lado euro-sentimental da iniciativa mas que salvaguarde as reticências que ele coloca à construção europeia, até ia bem", entre muitos mais.
Contra o pensamento único! Viva ao pensamento corroborado! Contem com a Cagada para vos ajudar.

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